Ditadura Nunca Mais
Ditadura Nunca Mais
Pará de Minas, março de todos os anos
Meus queridos ex-alunos,
Sinto que lhes devo um pedido de desculpas. Ou de perdão? A vocês, que foram meus alunos de 1967 a 1978, no tempo em que cursavam o primário em grupos escolares estaduais de Pará de Minas. O tempo passa, os grupos escolares agora são chamados de de escolas e o Curso Primário, de Ensino Fundamental I. Lá se foram mais de 50 anos. Naquela época, muitos alunos iam para a escola descalços ou de alpargatas, uniformes remendados, encardidos e nem material escolar podiam comprar. Lembram-se? Os professores davam um jeito. Compravam-lhes o que lhes era possível comprar com pequena parte de seus parcos salários. (Parcos salários, ainda hoje!)
Hoje encontro-os pela cidade. Alguns, sei que vivem em cidades distantes. Alguns, quando se encontram comigo, puxam conversa. A senhora se lembra de mim? Sou fulano. Estudei no Grupo Escolar Clóvis Salgado. Estudei no Grupo Escolar Frei Concórdio. A senhora foi minha professora. Contava histórias. Ah. Fico imensamente feliz quando ouço que se lembram de mim e também que eu contava histórias.
Sim. Eu lhes contava histórias. E lhes ensinava Histórias. História de Pará de Minas, de Minas Gerais, do Brasil. Ensinava como se fosse verdade o que estava escrito nos livros de História. No entanto, incomoda-me muito, haver demorado anos para tomar consciência de que, naquele tempo, conheci foi a História oficial, a que era escrita nos livros escolares, com “permissão” do governo, a que era divulgada pela imprensa, seja pelo rádio, pelos jornais impressos e pelos poucos canais de TV. Tudo era oferecido ao povo brasileiro sob um ponto de vista único: aquele que interessava aos homens que estavam no poder. Sabíamos pouco ou quase nada das prisões arbitrárias, das torturas, dos sumiços de pessoas. Cale-se.
“31 de março” de cada ano era um dia para festejarmos a Revolução. Recordam-se? Os alunos de todas as salas eram perfilados no pátio da escola para, juntos, cantarem o Hino Nacional no momento em que a Bandeira do Brasil era hasteada. E depois, as palmas… Ainda hoje acho tudo isso muito bonito, seja num Sete de Setembro, em algum evento público. Sinal de respeito a nossa Pátria. Porém, não será bonito para celebrar o que não houve.
E como nós, professores de Ensino Primário, podíamos imaginar que a proposta da “Revolução de 1964” não estava sendo cumprida? Como podíamos imaginar que depois dessa data usaram de um sistema de governo, no qual tudo é permitido, para cometerem tantas atrocidades com seres humanos, crianças, jovens e adultos? (O que dizer sobre crianças torturadas por agentes do governo?)
Isto não é um mea-culpa. Deixei-me enganar. O governo brasileiro que foi destituído em 31 de março de 1964 pretendia introduzir no país o Comunismo. Era o que nos era dito. Comunismo? O que era isso? Ah! Um perigo enorme! Um sistema de governo autoritário, socialista, ateu, o qual defendia a divisão dos bens de todos brasileiros entre os que não tinham nada: as fazendas, as boiadas, os terrenos, as casas, tudo seria dividido. E ainda mais, diziam que os comunistas até comiam criancinhas. Parecia pavoroso, não é mesmo?
Numa das versões, no comunismo, o Estado, como representante da coletividade, é o principal agente político e econômico. Uai. Não é assim no capitalismo? O que ocorre hoje? O Estado é o principal agente político e econômico que recolhe o dinheiro de seus cidadãos em forma de taxas e impostos. No entanto, quando alguns senhores poderosos, grandes empresários, percebem que o Estado quer empregar uma parte maior do dinheiro recolhido do povo em favor da educação, da saúde e de outras necessidades desse próprio povo, dizem que os governantes estão agindo como comunistas. O que ocorreu após 31 de março de 1964? Foi instalado um sistema de ditadura militar no país. Direitos políticos de pessoas que eram contra o governo foram cassados. A imprensa foi silenciada. Cale-se. Só podia ser dito ao povo o que tinha aprovação do governo militar. Foi essa a História que foi escrita oficialmente e que lhes ensinei.
Meus caríssimos ex-alunos, o que me leva a lhes escrever neste março do século XXI? É que estou perplexa com o que está ocorrendo. Como pode, um governo, eleito pelo povo, sugerir ou ordenar que se faça uma comemoração ao Movimento de 31 de março?
Pena que a História leva tanto tempo para revelar algo que realmente acontece. Pena que as pessoas que ocupam transitoriamente o poder estão cada vez mais treinadas a desviar a atenção do povo para fatos corriqueiros com a finalidade de encobertar fatos reais e que não favorecem a população, especialmente a população mais desprovida de educação, de bens, de tudo. Pena que os que governam tornam-se cada vez mais manipuladores da opinião pública.
Desejo muito que vocês ainda gostem de histórias e de História. E que tenham clareza de ideias para ensinar a seus filhos a História verdadeira do Brasil, do mundo, pelo menos, a que nos é possível enxergar meio a tantos fatos perturbadores que ocorrem na atualidade. Quando quiserem oferecer presentes a seus filhos e netos, dê a eles livros de literatura e também livros que falem de política, de História, de bom jornalismo. Incentive-os a estudar sempre. Assim eles poderão duvidar do que lhes é oferecido pelas redes sociais ou outras fontes e então formarem opinião clara a respeito do que ocorre no país e no mundo.
Colaboração: Professora aposentada – Terezinha Pereira