Cinquenta (e poucos) anos
Durante algum tempo na minha vida, achei que eu nunca teria cinquenta anos. Não por razões mórbidas, muito pelo contrário: por excesso de vida. Porque quando a gente tem vinte, acha que vai ser jovem para sempre, que envelhecer só vai valer para os outros. Mais tarde, quando a gente vira mãe, e está quase conseguindo se imaginar mais velha, nasce a obrigação de ser sempre firme, e a gente perde a licença para envelhecer ou fraquejar. O tempo é cheio desses truques.
A boa notícia é que estou aqui. Usando os músculos que a experiência me dotou para carregar comigo aquela garota de vinte e, junto com ela, todas as outras mulheres que vivi depois. É preciso muita força para conseguir carregar tudo o que fomos no passado, treinar o músculo da vivência, pois é o único que fica mais forte com a idade.
E pasme! Não estou com o cabelo armado, não me aposentei, não me recolhi: não desisti daquele excesso de vida. Confesso que cometo algumas infrações graves para a minha idade, como insistir em usar cabelos longos, cantar alto e rir de bobeiras. Pratico a imoralidade de continuar desejando, a excentricidade de usar brincos grandes, a infantilidade de sair com amigas, a ousadia boba de ainda querer descobrir. Para contrabalançar, levo na bolsa meus óculos de leitura e um leque de papel para aplacar os calores repentinos que vêm do incêndio hormonal. Como minha memória tem falhado, isso serve também como lembrete à minha garota de cinquenta que sou uma senhora – a quem nem sempre me lembro de obedecer.
Não luto contra o espelho, luto a favor da nossa paz, já que nem nos elevadores nos livramos um do outro. Por isso, me cuido, não para tentar fazer minha pele voltar no tempo, bobagem, mas para fazer com que o tempo me reconheça no espelho que ele mesmo embaçou depois de tantas marcas que ele me cravou.
Os cinquenta são a infância do terceiro tempo de jogo, a parte mais divertida, se a gente souber jogar. Como sou criança nessa nova contagem do tempo, estou ainda aprendendo a andar. E vou precisar de muita força para carregar as várias mulheres que ainda nascerão de mim.
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Meu comentário:
Me identifiquei, apesar de ser homem.
Cláudio Martins Nogueira – Psicólogo Clínico