Casagrande: O que fazer com a sobriedade? (Parte II)
Sem as drogas, não demorou para Casagrande se questionar se viver era “só” aquilo mesmo. “Eu vi muita gente depois que tem alta do grupo terapêutico, com um tempo na rua, falar: ‘O prazer da vida é esse? Isso que é legal?’. Porque o cara se tratou, mas quando sai está esperando um “baita” prazer, e a vida não tem isso. Você se habituar a esse prazer mediano é uma coisa difícil e o dependente químico tem de abrir espaço para coisas novas. A gente usa droga há 20 anos, vai gostar de quê? Não gosta de nada mesmo.” Nesse processo, o suporte de psicólogas foi essencial para redescobrir experiências. Elas o acompanhavam no cinema e teatro ao menos três vezes na semana, além de outras ocasiões.
Isso ajudou Casagrande não só a se entreter e criar uma rotina, mas a acostumar o cérebro a novos hábitos —e prazeres. As saídas também funcionavam como uma terapia instantânea para tratar eventuais aflições do momento. Hoje, quando fico sozinho em casa, vem na minha cabeça de ir tomar um café, ir ao cinema. Antes, eu pensava: ‘Pô, vou usar droga’.
A última internação de Casagrande foi em 2015. Ele buscou voluntariamente a clínica duas vezes naquele ano e, na última, pediu para ser tratado como se estivesse na primeira passagem. Queria parar de beber e organizar a rotina. O consumo de álcool não era abusivo, mas virou refúgio para mitigar o sofrimento após a morte da mãe, Zilda, em setembro de 2013. Ele também tinha voltado a cheirar cocaína. “O psiquiatra falava que eu não podia beber e eu dizia que não tinha problema com álcool. Não posso fazer uma happy hour de sexta à tarde com os meus amigos? Eu estava contrariado, continuei fazendo happy hour e, obviamente, fiquei patinando”, conta.
Casagrande permaneceu internado por sete meses sob o modelo híbrido, porque precisava se sentir livre. Saía, geralmente acompanhado pelas psicólogas, para atividades de rotina —como caminhar no Parque Ibirapuera (SP), ir ao cinema, ao teatro e trabalhar. Casagrande deixou a clínica quando a equipe médica sentiu que ele estava pronto para praticar a abstinência do lado de fora. Nunca mais bebeu, mas precisou de autocontrole. “Uma vez fui fazer palestras no Ceará, viajava o estado todo. Um baita calor, todo mundo tomando caipirinha, passava aquela cervejinha e eu ficava com vontade.” Colocou em prática o que a psicóloga lhe havido ensinado e pedia água gelada com limão espremido. “Ela disse: ‘Não se engane, quando você tiver vontade … – de tomar uma cerveja gelada, é sede. Não é a cerveja, é qualquer coisa gelada’. Eu tomava, passava a sede e esquecia que existia cerveja.”
Em 2019, também parou com o cigarro. Diz que “desaprendeu” após passar a semana em uma clínica de medicina chinesa. Perguntou se podia fumar, ouviu que sim, mas olhou e “não tinha um cinzeiro, era tudo flor, pavão, arara voando”. Achou que acender um cigarro não combinava com o ambiente e, quando saiu, esqueceu do que fazer depois de colocá-lo na boca. “A fumaça nem entrava, eu punha na boca e não sabia o que fazer.” O tratamento de abstinência total é defendido por especialistas, porque é comum que uma pessoa com dependência prévia desenvolva adicção por outra substância. Isso ocorre porque o que capitaneia a doença é a compulsão, que pode incentivar a busca por estímulos que compensem o déficit no sistema de recompensa do cérebro —álcool, remédios com potencial de abuso e até mesmo jogos eletrônicos, por exemplo. “Não existe cura, porque a doença não desaparece do cérebro. Tem que ter vigilância. Uma vez que o cérebro é sensibilizado à substância, ele tende a buscar novamente. Só que quanto mais tempo sem uso, mais fácil fica de controlar impulsos e fissuras”, explica a psiquiatra Dângela Lassi….
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Fonte: Veja mais em https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/08/31/entrevista-casagrande-saude-mental.htm?cmpid=copiaecola