O jogo da sedução na dependência química
Ao longo de muitos anos trabalhando com dependentes químicos e seus familiares, especialmente depois que fui para a faculdade fazer psicologia e um curso de pós- graduação nesta área, eu percebi que os relacionamentos afetivos no seio desta família são extremamente disfuncionais. Casais que conseguem conviver por décadas em brigas, conflitos e até mesmo agressões físicas e não tomam a iniciativa de buscarem ajuda ou mesmo de separarem.
Por que isto acontece? Por que uma esposa de um dependente químico se submete a tantos maus tratos, humilhações e privações e não tem forças para sair disto?
Uma das respostas que poderíamos dar a estas perguntas seria a codependência familiar. A carência afetiva do codependente é tão grande que ele sempre espera que um dia o seu dependente vai mudar. A esperança é a mola propulsora desta apatia. O codependente, juntamente com o dependente (não necessário só o químico), estão presos ao jogo da sedução.
O dependente possui uma personalidade muito instável. Sua autoestima e autoconfiança estão comprometidas. De maneira inconsciente, ele precisa se sentir amado e valorizado. Só assim ele consegue aliviar o mal estar de existir com alguém (que é ele mesmo). Assim, movido por esta necessidade, o dependente é um eterno sedutor. O seu “prazer” está, além da droga, na conquista.
Assim, ele vai conquistando as pessoas nos bares, nas baladas e dentro de casa. Porém, devido a sua imaturidade, dificilmente ele consegue manter as suas conquistas (mesmo porque ele não possui interesse nisto), afinal, o jogo dele é conquistar e não ter o sujeito da conquista.
É exatamente neste contexto que o dependente se perde. Quando ele tem o sujeito nas mãos dele, ele perde o interesse. Começa a maltratá-lo e a traí-lo. Vai sempre em busca de outra conquista. Quando a esposa, ou a mãe ou qualquer outro familiar vai perdendo a paciência e resolve se afastar, o dependente volta ao seu jogo de sedução com estes familiares. Prometem “mundos e fundos”. Ficam bonzinhos por vários dias, falam todas as palavras que os codependentes querem ouvir. São românticos e atenciosos até terem a conquista novamente em suas mãos.
Por outro lado, o codependente, na esperança de manter o casamento ou a harmonia familiar, acredita em todas as promessas e, pela milésima vez, dá mais uma chance para o dependente. Infelizmente, na medida em que os codependentes vão sendo seduzidos, eles vão cedendo nos seus limites, conduzindo o dependente novamente para o controle das relações familiares. Quando a ameaça do rompimento da relação vai embora, o jogo da sedução termina, e, por uma necessidade incontrolável, o dependente vai ter que aprontar novamente. E toda a história volta a repetir.
Somente com o tratamento psicoterápico e grupos de apoio será possível romper este jogo. Os codependentes precisam aprender a não serem tão manipuláveis, enquanto que os dependentes precisam aprender a se responsabilizar pelas suas escolhas, só assim serão capazes de amadurecer e construir relações mais saudáveis e duradouras.
Cláudio Martins Nogueira