A história do Pó
Há muitos anos atrás, uma mãe chegou à reunião do grupo de apoio da Família de Caná com uma carta do seu filho que estava internado na Fazenda de Caná. Desesperada e aos prantos ela tinha acabado de ler esta carta e no grupo ela desabafou:
_ Meu filho já tem 30 dias que está internado e até hoje ele não esqueceu o Pó.
De imediato ela leu alguns trechos da carta que dizia mais ou menos assim:
– Mãe, o P.O me ajuda muito. Ele me dá muita força. Com ele eu me sinto capaz de superar todos os meus medos e desafios. O P.O sempre é muito prestativo e não deixa faltar nada para a gente…
O grupo todo, sensibilizado com esta dor, foi solidário a esta mãe e, eu, como coordenador da reunião expliquei que seu filho estava no início de tratamento e que isto era normal nos primeiros meses. Enfim, desenvolvi toda uma teoria para tentar acalmar esta pobre mãe.
Não sei bem o motivo, quando eu passei a palavra para outra pessoa, tive a intuição de pedir para ler a carta do residente. Passei a coordenação do grupo para outro voluntário para concentrar mais na leitura da carta, quando percebi um detalhe pequeno, mas muito importante: Existia um ponto entre o “P” e o “O”.
Assim, estava desvendado o enigma. O Pó que a família tinha lido na verdade era P.O. Iniciais do Padre Osvaldo, fundador da Fazenda de Caná, hoje com seus 89 anos ainda à frente dos trabalhos com os residentes.
Voltei ao grupo e ao dar a notícia do mal entendido, todos começaram a rir de uma coisa tão dramática: a codependência tinha afetado tanto esta família que a ideia do Pó (nome popular da cocaína) ficou impregnado no imaginário desta mãe.
Passados mais de 20 anos deste fato, nunca mais eu me esqueci desta história, exemplo claro do adoecimento da família no processo de desenvolvimento da codependência. Diante desta realidade, a família deve ter a humildade de aceitar ajuda, só assim será possível superar este desafio.
Cláudio Martins Nogueira – Psicólogo Clínico