Carta ao álcool
By Cláudio

Carta ao álcool

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Transcrevemos aqui trechos da “Carta ao Álcool, de Ricardo Esch, um depoimento que nos ajuda a ter uma ideia da força do relacionamento entre o dependente e o álcool. Trata-se de uma carta escrita por um dependente e dirigida ao álcool.

“E aí camarada?

É isso aí. Grande camarada, companheiro de longos anos, inseparável e constante, causador de grandes alegrias, incentivador de grandes alegrias, incentivador de grandes obras, inspirador de lindos sonhos e único e implacável responsável pela destruição de tudo isso! (…) E você não poderia ter sido mais maravilhoso; mais sedutor; mais conquistador. Entreguei-me completamente a seus poderes, curtindo todas as milagrosas modificações que você, docemente, operou em minha timidez, em minha insegurança, em meus complexos, e aí, tudo começou…

No início eu o procurava em situações onde era imperiosa sua atuação para tornar-se mais homem, mais gente. Seu calor dissolvia meus medos e eu me impunha; seu aroma dominava meu cérebro e eu sonhava; seu sabor adoçava minha alma e eu amava. Éramos eu, você e o mundo.

Vieram os problemas. Sua ausência, mesmo por momentos mínimos, era extremamente dolorosa. A angústia e a ansiedade eram perversas e você sempre reafirmava seu poder de aliviá-la e entregar-me de volta à fantasia. Apareceram os tremores, as náuseas, os suores, meu corpo reclamava e rebelava-se a cada instante da sua ausência, e eu sofria (…) Não havia mais prazer, apenas necessidade, uma premente necessidade… Era uma luta desigual, onde eu saía sempre impiedosamente derrotado. E a cada humilhante derrota eu me entregava mais profundamente. Fui perdendo minha personalidade, minha autoestima, meu atuo-respeito. Neste momento era só você e mais nada (…) a única maneira de me libertar seria causando uma enorme decepção, que lhe fizesse compreender que nossos caminhos teriam de ser eternamente paralelos. E assim você fez; e o fez destruindo-me tudo que me tinha dado, desapontando-me de uma forma que me causou ódio; um ódio que cresceu, transformou-se em desespero e, daí, em total entrega a rendição.

E é isso aí, meu camarada. Do nada absoluto nasce uma nova pessoa (…) e aí termina essa história de amor: você para um lado e eu para outro, sem possibilidades de reconciliação. Você, feliz ou infelizmente, não sei e não importa, não foi feito para mim. Reconheço isso agora, e foi muito duro e doloroso fazê-lo (…) você me fez muito bem também muito mal, mostrando-me a vida por um lado utópico, fantástico e jogando-me nela por outro. (…) E, finalmente, apresentou-me a outra pessoa, alguém capaz de me devolve à vida e que não cobraria, nunca, o que fizesse por mim: a liberdade”.

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  • 02/10/2019
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